Processos
históricos da criminalização
Para
se compreender o fenômeno do narcotráfico nas Américas, é
necessário elucidar algumas questões históricas que envolvem a
criminalização do consumo e da produção de substâncias
psicoativas. Sabemos que há muito tempo, não se ouvia falar em
problemas relacionados ao tráfico de drogas, nem a qualquer menção
sobre narcotráfico. Pois não havia nenhuma regulamentação sobre
as substâncias que hoje são comercializadas ilegalmente.
O ser humano, desde dos tempos mais
remotos, praticava o uso de substâncias psicoativas, com fins
ritualísticos, religiosos, detinham o conhecimento de propriedades
singulares de várias plantas alucinógenas, sempre ligadas às
experiências do homem, ligado ao discurso do mito, e o uso dessas
substâncias, também as manifestações corporais como a dança e a
música, são partes estruturantes dos primitivos ritos sagrados
(SANTIAGO, 2001). Devemos levar em conta essa profunda complexidade
que envolve o consumo dessas substâncias pelos povos arcaicos, para
podemos estabelecer as relações que se manifestam na sociedade
atual. Se podemos considerar essa profunda ritualística dos povos
primitivos com plantas alucinógenas, como parte de sua cultura, hoje
em dia, o consumo de substâncias psicoativas também se caracteriza,
como um importante elemento cultural, proveniente de tempos remotos e
necessidades humanas intrínsecas em nossa natureza. No entanto, essa
conjectura cultural dos usos de psicoativos, tem se mostrado um
elemento causador de problemas, considerando os riscos inerentes ao
consumo excessivo dessas substâncias, a sociedade atual se encontra
em uma crise de valores morais, sociopolíticos e de saúde pública.
Crise essa, que se relaciona com as políticas proibicionistas, que
não consideram o valor cultural dessas substâncias, e recaem no
erro de não permitir o estudo aprofundado das mesmas, considerando
como um mal, que precisa ser exterminado em vez de ser analisado em
toda profundidade e complexidade.
A partir do século XX, um novo
enfoque sobre as drogas psicoativas, dá início a uma construção
internacional do controle de drogas. A conferência de Haia em 1912
produziu o primeiro tratado internacional nesse campo. Tal tratado
não proibia a produção, venda ou o consumo de qualquer substância,
somente produziu uma intervenção nessa questão, que até então
permanecia desregulada. (MCALLISTER, 2000, p. 17, apud. RODRIGUES,
2012, p. 10). A discussão era sobre a recriminação do uso
recreativo, e as substâncias psicoativas começam a ser pensadas
como problema de saúde pública, principalmente o ópio e a morfina,
e a sugestão para se resolver o problema era o controle total dessas
substâncias. A discriminação e repugnância ao consumo de drogas
começa a ganhar forma e a adesão da população, quando o consumo
de substâncias psicoativas se vincula determinados grupos de
imigrantes e/ou minorias étnicas (RODRIGUES, 2012).
Nos
EUA, esse vínculo, de corte xenófobo e racista, aconteceu com a
maconha, identificada com hispânicos, o ópio com chineses, a
cocaína com negros, o álcool com irlandeses e italianos; no Brasil,
a heroína, por exemplo, tornou-se um problema de saúde pública
quando, nos anos 1910, passou a ser tida como droga de cafetões e
prostitutas, enquanto a maconha, vista como substância de negros
capoeiras, era associada a um problema de ordem pública já no
século XIX (RODRIGUES, 2004; PASSETTI, 1991).
Com base nessas afirmações, podemos
notar que
a repugnância ao
consumo de substâncias psicoativas parte de uma vertente histórica
ligada a preconceitos xenófobos e racistas, que não se baseava em
fundamentos de saúde pública, bem observado pelo autor que somente
se torna caso de saúde e ordem pública, quando passa a ser usado
por minorias étnicas. As repressões do governo em torno desse tema
perdem sua legitimidade, quando vemos que toda política de combate
às drogas está ligada a preconceitos, e não há um estudo mais
aprofundado sobre o tema.
Essa cristalização dos medos
sócias, foram o fator culminante da criminalização das drogas.
Tendo seu início nos EUA com a vitória dos partidários a favor da
repressão às drogas com a aprovação da Lei Seca em 1919. Lei essa
que foi revogada em 1933 após 14 anos de proibição. Deixando uma
grande marca na memória do país, com o fortalecimento do consumo de
álcool e dos grupos de traficantes ilegais. De fato, as políticas
proibicionistas que se iniciam nessa época deixam seu legado, e se
estendem às demais substâncias, suscitando o aumento desses grupos
de traficantes, que mais tarde se torna em um mega esquema de tráfico
de drogas e operações ilegais.
Tendo em vista que o proibicionismo
surgiu como uma tática de controle social, que afetava mais as
minorias étnicas, essa corrente política se expande por toda a
América, carregada por um discurso único de combate as drogas.
A
proibição, todavia, não alcançou seu objetivo declarado: a
supressão de hábitos relacionados a algumas drogas e de todo um
circuito econômico a elas coligado. Ao contrário, acabou por
impulsioná-lo às margens da lei. Assim, a “questão das drogas”,
que nos primeiros anos do século XX sequer existia como um
“problema” social ou de saúde pública, em pouco mais de duas
décadas se transformou em uma “ameaça às sociedades
civilizadas”. (RODRIGUES, 2012, Pag. 14.)
Com o Caráter proibitivo da lei
antidrogas, começa a tomar forma um sistema de guerra as drogas,
tido como substâncias perigosas à sociedade, essa visão acabou
fomentando ainda mais o consumo, de fato, as leis que tinham em vista
a diminuição coercitiva do uso e venda de drogas, acaba por
fomentar e os incitar ainda mais. No que compete a nossa razão em
analisar esse processo histórico, aja visto a ineficácia no
combate, e nas políticas proibicionistas, o tráfico de drogas
ganham ainda mais força, agora pela inflação do preço do produto
comercializado, e o aumento no consumo.
Na
sombra produzida pela ilegalidade e criminalização, foi gerado o
narcotráfico, negócio potente que expandiu e prosperou ao mesmo
tempo em que se sofisticaram as leis domésticas e internacionais
visando sua repressão. A cristalização internacional do regime
proibicionista foi acompanhada não pela diminuição da economia das
drogas ilícitas, mas pelo aumento global da demanda por psicoativos,
principalmente após a Segunda Guerra Mundial (KOPP, 2006. apud
RODRIGUES, 2012, Pag. 14).
Como podemos notar, o surgimento do
narcotráfico, é resíduo dessa política de proibição, que como
dissemos acima, foi originaria de uma visão racista e xenofóbica,
caracterizando todas as substâncias psicoativas como perigosas a
sociedade, e não abrindo espaço para uma discussão e um estudo
mais aprofundado sobre seus possíveis efeitos.
O
regime proibicionista de controle de drogas foi completado por outros
dois tratados: a Convenção sobre Drogas Psicotrópicas, de 1971 que
incorporou o LSD como uma substância a ser banida totalmente, e a
Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Drogas
Narcóticas e Psicotrópicas – também conhecida como Convenção
de Viena –, assinada em 1988, que reafirmou o proibicionismo como
política mundial para os psicoativos (MCALLISTER, 2000 apud
RODRIGUES, 2012, Pag. 16).
Dessa
forma, segundo o autor, mesmo com o aumento do narcotráfico e
consumo de drogas, as políticas proibicionistas têm sua reafirmação
mundial com os 2 tratados citados acima, de fato, se cristaliza nessa
época a política de “guerra as drogas” diante do anúncio do
presidente estadunidense Richard Nixon em 1972.
Diante dos fatos apresentados nesse
trabalho, fica claro que a perspectiva de “ guerra as drogas”
contém segundas intenções, que mesmo diante do fracasso dessas
medidas, continuam a ser implementadas. Essas segundas intenções
que estudaremos agora na dinâmica do narcotráfico.
Autor: Thiago F Milski
Referências
ARRUDA,
João Rodrigues. O uso político das Forças Armadas e outras
questões militares. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
BORBA,
Pedro dos Santos de. Narcotráfico nas Américas, Dossiê Temático
N°05/2009. Disponível em:
https://www.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo75.pdf,
acesso em: 24/10/2016 ás 15:00
FIGUEIREDO,
Eurico de Lima. Os estudos estratégicos, a defesa nacional e a
segurança internacional. In: MARTINS, C. B.; LESSA, R. (Coord.).
Horizontes das ciências sociais no Brasil: ciência política. São
Paulo: ANPOCS, 2010
RODRIGUES,
Thiago. Narcotráfico e Militarização nas Américas: Vício de
Guerra. Rio de janeiro, vol. 34, n°1, janeiro/junho 2012, p. 9-4.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cint/v34n1/v34n1a01.pdf,
acesso em: 24/10/2016 ás 14:30.
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