segunda-feira, 10 de abril de 2017

Narco Trafico Na América Latina

Processos históricos da criminalização

Para se compreender o fenômeno do narcotráfico nas Américas, é necessário elucidar algumas questões históricas que envolvem a criminalização do consumo e da produção de substâncias psicoativas. Sabemos que há muito tempo, não se ouvia falar em problemas relacionados ao tráfico de drogas, nem a qualquer menção sobre narcotráfico. Pois não havia nenhuma regulamentação sobre as substâncias que hoje são comercializadas ilegalmente.
O ser humano, desde dos tempos mais remotos, praticava o uso de substâncias psicoativas, com fins ritualísticos, religiosos, detinham o conhecimento de propriedades singulares de várias plantas alucinógenas, sempre ligadas às experiências do homem, ligado ao discurso do mito, e o uso dessas substâncias, também as manifestações corporais como a dança e a música, são partes estruturantes dos primitivos ritos sagrados (SANTIAGO, 2001). Devemos levar em conta essa profunda complexidade que envolve o consumo dessas substâncias pelos povos arcaicos, para podemos estabelecer as relações que se manifestam na sociedade atual. Se podemos considerar essa profunda ritualística dos povos primitivos com plantas alucinógenas, como parte de sua cultura, hoje em dia, o consumo de substâncias psicoativas também se caracteriza, como um importante elemento cultural, proveniente de tempos remotos e necessidades humanas intrínsecas em nossa natureza. No entanto, essa conjectura cultural dos usos de psicoativos, tem se mostrado um elemento causador de problemas, considerando os riscos inerentes ao consumo excessivo dessas substâncias, a sociedade atual se encontra em uma crise de valores morais, sociopolíticos e de saúde pública. Crise essa, que se relaciona com as políticas proibicionistas, que não consideram o valor cultural dessas substâncias, e recaem no erro de não permitir o estudo aprofundado das mesmas, considerando como um mal, que precisa ser exterminado em vez de ser analisado em toda profundidade e complexidade.
A partir do século XX, um novo enfoque sobre as drogas psicoativas, dá início a uma construção internacional do controle de drogas. A conferência de Haia em 1912 produziu o primeiro tratado internacional nesse campo. Tal tratado não proibia a produção, venda ou o consumo de qualquer substância, somente produziu uma intervenção nessa questão, que até então permanecia desregulada. (MCALLISTER, 2000, p. 17, apud. RODRIGUES, 2012, p. 10). A discussão era sobre a recriminação do uso recreativo, e as substâncias psicoativas começam a ser pensadas como problema de saúde pública, principalmente o ópio e a morfina, e a sugestão para se resolver o problema era o controle total dessas substâncias. A discriminação e repugnância ao consumo de drogas começa a ganhar forma e a adesão da população, quando o consumo de substâncias psicoativas se vincula determinados grupos de imigrantes e/ou minorias étnicas (RODRIGUES, 2012).
Nos EUA, esse vínculo, de corte xenófobo e racista, aconteceu com a maconha, identificada com hispânicos, o ópio com chineses, a cocaína com negros, o álcool com irlandeses e italianos; no Brasil, a heroína, por exemplo, tornou-se um problema de saúde pública quando, nos anos 1910, passou a ser tida como droga de cafetões e prostitutas, enquanto a maconha, vista como substância de negros capoeiras, era associada a um problema de ordem pública já no século XIX (RODRIGUES, 2004; PASSETTI, 1991).
Com base nessas afirmações, podemos notar que a repugnância ao consumo de substâncias psicoativas parte de uma vertente histórica ligada a preconceitos xenófobos e racistas, que não se baseava em fundamentos de saúde pública, bem observado pelo autor que somente se torna caso de saúde e ordem pública, quando passa a ser usado por minorias étnicas. As repressões do governo em torno desse tema perdem sua legitimidade, quando vemos que toda política de combate às drogas está ligada a preconceitos, e não há um estudo mais aprofundado sobre o tema.
Essa cristalização dos medos sócias, foram o fator culminante da criminalização das drogas. Tendo seu início nos EUA com a vitória dos partidários a favor da repressão às drogas com a aprovação da Lei Seca em 1919. Lei essa que foi revogada em 1933 após 14 anos de proibição. Deixando uma grande marca na memória do país, com o fortalecimento do consumo de álcool e dos grupos de traficantes ilegais. De fato, as políticas proibicionistas que se iniciam nessa época deixam seu legado, e se estendem às demais substâncias, suscitando o aumento desses grupos de traficantes, que mais tarde se torna em um mega esquema de tráfico de drogas e operações ilegais.
Tendo em vista que o proibicionismo surgiu como uma tática de controle social, que afetava mais as minorias étnicas, essa corrente política se expande por toda a América, carregada por um discurso único de combate as drogas.
A proibição, todavia, não alcançou seu objetivo declarado: a supressão de hábitos relacionados a algumas drogas e de todo um circuito econômico a elas coligado. Ao contrário, acabou por impulsioná-lo às margens da lei. Assim, a “questão das drogas”, que nos primeiros anos do século XX sequer existia como um “problema” social ou de saúde pública, em pouco mais de duas décadas se transformou em uma “ameaça às sociedades civilizadas”. (RODRIGUES, 2012, Pag. 14.)
Com o Caráter proibitivo da lei antidrogas, começa a tomar forma um sistema de guerra as drogas, tido como substâncias perigosas à sociedade, essa visão acabou fomentando ainda mais o consumo, de fato, as leis que tinham em vista a diminuição coercitiva do uso e venda de drogas, acaba por fomentar e os incitar ainda mais. No que compete a nossa razão em analisar esse processo histórico, aja visto a ineficácia no combate, e nas políticas proibicionistas, o tráfico de drogas ganham ainda mais força, agora pela inflação do preço do produto comercializado, e o aumento no consumo.
Na sombra produzida pela ilegalidade e criminalização, foi gerado o narcotráfico, negócio potente que expandiu e prosperou ao mesmo tempo em que se sofisticaram as leis domésticas e internacionais visando sua repressão. A cristalização internacional do regime proibicionista foi acompanhada não pela diminuição da economia das drogas ilícitas, mas pelo aumento global da demanda por psicoativos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial (KOPP, 2006. apud RODRIGUES, 2012, Pag. 14).
Como podemos notar, o surgimento do narcotráfico, é resíduo dessa política de proibição, que como dissemos acima, foi originaria de uma visão racista e xenofóbica, caracterizando todas as substâncias psicoativas como perigosas a sociedade, e não abrindo espaço para uma discussão e um estudo mais aprofundado sobre seus possíveis efeitos.
O regime proibicionista de controle de drogas foi completado por outros dois tratados: a Convenção sobre Drogas Psicotrópicas, de 1971 que incorporou o LSD como uma substância a ser banida totalmente, e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Drogas Narcóticas e Psicotrópicas – também conhecida como Convenção de Viena –, assinada em 1988, que reafirmou o proibicionismo como política mundial para os psicoativos (MCALLISTER, 2000 apud RODRIGUES, 2012, Pag. 16).
Dessa forma, segundo o autor, mesmo com o aumento do narcotráfico e consumo de drogas, as políticas proibicionistas têm sua reafirmação mundial com os 2 tratados citados acima, de fato, se cristaliza nessa época a política de “guerra as drogas” diante do anúncio do presidente estadunidense Richard Nixon em 1972.

Diante dos fatos apresentados nesse trabalho, fica claro que a perspectiva de “ guerra as drogas” contém segundas intenções, que mesmo diante do fracasso dessas medidas, continuam a ser implementadas. Essas segundas intenções que estudaremos agora na dinâmica do narcotráfico.

Autor: Thiago F Milski 

Referências
ARRUDA, João Rodrigues. O uso político das Forças Armadas e outras questões militares. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
BORBA, Pedro dos Santos de. Narcotráfico nas Américas, Dossiê Temático N°05/2009. Disponível em: https://www.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo75.pdf, acesso em: 24/10/2016 ás 15:00
FIGUEIREDO, Eurico de Lima. Os estudos estratégicos, a defesa nacional e a segurança internacional. In: MARTINS, C. B.; LESSA, R. (Coord.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: ciência política. São Paulo: ANPOCS, 2010
RODRIGUES, Thiago. Narcotráfico e Militarização nas Américas: Vício de Guerra. Rio de janeiro, vol. 34, n°1, janeiro/junho 2012, p. 9-4. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cint/v34n1/v34n1a01.pdf, acesso em: 24/10/2016 ás 14:30.

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